Por Victor Araújo
No filme “V de Vingança” (2005) dirigido por James McTeigue, é dito que "as pessoas não deveriam temer seu governo, o governo é que deveria temer seu povo". O que acontece, na prática, em muitas cidades de nosso país é o contrário: o povo é dominado econômica e ideologicamente, sendo humilhado e perseguido, caso não concordem com as práticas dos indivíduos que detém o poder político. Isso é comum principalmente em cidades pequenas.
O que é uma cidade pequena? Cidade pequena[1] é um termo comumente usado em urbanismo para designar cidades que abriguem menos de cinquenta mil habitantes. A quantidade de pequenas cidades no Brasil é grande, com quase 5000 cidades pelo país nessa classificação, segundo o IBGE.
No nosso contexto estadual, algumas situações e práticas são comuns e consideradas naturais para a esmagadora maioria dos indivíduos que vivem em uma cidade pequena.
1. A disputa eleitoral na cidade está restrita a duas ou três elites familiares (oligarquias);
2. A política de troca de favores: o político diz que, caso eleito, dará emprego para pessoas daquela família, caso o apoiem politicamente na eleição;
3. A existência de programas de rádio de cunho eleitoreiros, ou seja, que visam promover determinado político pertencente a uma dessas oligarquias.
No Ceará, muitas dessas cidades pequenas alcançaram sua autonomia política não faz muito tempo, no entanto, a maioria delas são governadas por poucas famílias desde o início de sua emancipação. Essas famílias, por sua vez, são pertencentes, frequentemente, à elite política e econômica da cidade. Portanto, a história política dessas cidades pequenas do estado do Ceará é marcada pela dominação política de poucas famílias. Bem, creio que para muitos leitores o que está sendo descrito aqui é muito óbvio, pois observam isso cotidianamente. Peço ao leitor que tenha um pouco de paciência porque a descrição, quando feita de forma mais precisa, é uma ferramenta fundamental para podermos avançar na reflexão e compreendermos melhor a realidade que vivemos.
Quero chamar a atenção para as práticas que mencionei anteriormente: a oferta de empregos e a existência de programas de rádio de cunho eleitoreiro. Nesse ponto, o leitor verá como essas elites locais operam a dominação econômica e a dominação ideológica.
Você já parou pra pensar por que muitos políticos prometem dar emprego para o eleitor caso sejam eleitos? Por que essa prática é tão comum em cidades pequenas? Certamente você irá responder: é porque na cidade não tem oportunidade de emprego. Perfeito! Esse é o ponto que quero chegar.
Então, daí eu lhe pergunto: por que na sua cidade não tem oportunidade de emprego? Por que não existe um projeto de desenvolvimento local? Dessa vez, eu lhe respondo: porque para essas elites familiares é crucial que o povo continue dependendo deles. Imagine uma cidade desenvolvida, com uma baixa taxa de desemprego, onde a maioria da população trabalha em setores da economia que não sejam, propriamente, a prefeitura. Imagine o quanto seria difícil para um político conseguir convencer o cidadão através da oferta de emprego. Essa cidade que imaginamos é uma cidade onde o povo tem algo chamado autonomia econômica.
Muitas dessas cidades pequenas, a participação da administração pública no PIB do município é, consideravelmente, muito grande. Também pode-se observar que os empregos concentram-se, também, na administração pública. Logo, é nesse cenário que as oligarquias operam a dominação econômica.
Pode-se concluir que a pobreza e a vulnerabilidade social são o único projeto político dessas oligarquias, pois só assim a dominação econômica permanece.
Além de grande parte do povo depender materialmente dessas oligarquias para sobreviver materialmente, outra forma de dominação é operada: a ideológica.
Como se já não bastasse convencer pela “barriga”, o povo também é convencido pela “cabeça”. Para evitar a formação de uma consciência crítica na população, para manter o povo em suas “rédeas”, tais políticos promovem um formato de programa de rádio, geralmente transmitidos de segunda a sexta e com duração de aproximadamente uma hora, que visam promover politicamente essas elites locais. Evidentemente, se a disputa eleitoral for polarizada entre duas famílias, é comum haver um programa de rádio eleitoreiro para cada uma delas. Sendo assim, cada radialista diz que seu político foi o melhor gestor, o maior benfeitor que o município já teve.
Imagine a quantidade de vezes que essa visão de mundo é disseminada. É dessa forma que é operada a dominação ideológica. Inclusive, é comum que vários dos radialistas que trabalham para as oligarquias também possuam blogs. Há décadas atrás, havia compositores que elaboravam canções com objetivo de fabricar a boa imagem desses políticos. Como o leitor pode perceber, a dominação ideológica se dá através da comunicação, seja ela expressada através de músicas, através da voz de radialistas ou de textos em blogs.
Na dominação ideológica vemos o culto à personalidade que se trata de “uma estratégia de propaganda política baseada na exaltação das virtudes - reais e/ou supostas - do governante, bem como da divulgação positiva de sua figura”[2]. Daí surge o mito do benfeitor, entre outras falácias.
Evidentemente que a fabricação de um indivíduo totalmente dócil e dominado não surgiu do nada, é algo construído ao longo do tempo em que essas elites locais se mantiveram e se mantém no poder.
Além de serem subjugados materialmente por essas oligarquias, muitos indivíduos acabam se convencendo de que essa situação é boa e defendem com unhas e dentes seus próprios algozes.
O povo é mantido em cativeiro por parte dessas oligarquias. Perseguição e humilhação são práticas frequentes dessa relação. Será que o povo já não sabe viver de outra maneira?
Nessas eleições municipais, muitas cidades pequenas ganharam alternativas anti oligárquicas, candidaturas que são verdadeiramente das camadas populares. O fato lamentável é de que, no geral, o povo continua optando pelas oligarquias. Situação que me lembra o mito da caverna, onde as pessoas não querem ser libertadas.
Diante de uma dominação econômica e uma dominação ideológica que foi construída ao longo de décadas e, em alguns casos, chega até mais de um século, acredito que se desenvolveu no povo um estado psicológico de “Síndrome de Estocolmo”.
Síndrome de Estocolmo[3] é o nome normalmente dado a um estado psicológico particular em que uma pessoa, submetida a um tempo prolongado de intimidação, passa a ter simpatia e até mesmo amor ou amizade pelo seu agressor.
Nada expressa melhor o fato de muitos defenderem seus algozes da forma como defendem do que o estado psicológico da síndrome de Estocolmo. Novamente: Será que o povo já não sabe viver de outra maneira?
[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Cidade_pequena
[2] https://pt.wikipedia.org/wiki/Culto_de_personalidade
[3] https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%ADndrome_de_Estocolmo