Ano passado a cena era parecida. De repente um outro amigo, esse desde 2017, não era mais o mesmo, na verdade, eu não o reconhecia… Ou foi, eu que mudei? As conversas não se encaixavam, qualquer encontro nosso tinha um pequeno motivo de chateação, algo que não me encantava mais naquela companhia, começou a me alertar. Depois de meses de insistência, precisei fazer a prece do abandono, de forma sutil e dolorida. Já não éramos mais os mesmos, não de forma genuína, agradável.
Lembro-me bem de chegar em casa, tirar a roupa, ir para o banho quente com pensamentos decididos, eu tinha certeza que desistir daquela amizade era o ato mais correto e corajoso de se cometer. Uma pessoa próxima afirmou: vocês não se combinam mais. Ok, dói ouvir isso, mastigar com resistência que a incompatibilidade mais uma vez bateu em minha porta - e eu precisava aceitá-la.
Eu quis ficar sozinha. Um momento de solidão me acompanhou durante os meses seguintes, reconhecer que uma amizade acabou também é um luto. O luto não está somente nos relacionamentos amorosos, ao contrário, está em todas as relações. Temos que vivenciá-lo, chorar todas as mágoas até entender que se afastar ou romper, foi a atitude mais inteligente que fez.
Quase logo em seguida outra incompatibilidade bateu em minha porta.
Tínhamos incompatibilidades, segundo ela. "Tentamos e não obtivemos sucesso." Ela também acrescentava que estagnou (a relação), mas na minha cabeça era tudo um absurdo o que ela estava dizendo, tão absurdo que minha vontade era sair correndo até crer que era tudo uma loucura. Mas não, era real e não existe saída quando há incompatibilidade, nem remendos.
Essa palavra ficou ecoando na minha mente por muito tempo, eu tinha medo, receio de ouvi-la, mas esconder-se da incompatibilidade é um retrato de que você se esconde também da vida. Seja por timidez, imaturidade emocional, ou qualquer outro motivo, uma hora a vida traz em nossa porta. Iremos abrir e encarar, aceitar, fazer novamente o ato da aceitação, do luto. A incompatibilidade de fato existe. Se ela não está no outro, está em você.
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Emanuela de Sousa é poeta e escritora, natural de São Paulo do Abc paulista. Fez teatro aos 11 anos e se arriscou pela pintura e em desenhos, mas foi na escrita que se encontrou. Emanuela hoje é autora de dois livros publicados: Interrupto, sobre todas as coisas que guardei (2016) e Coração a bordo (2020) Além dos livros ela é colunista no Jornal O Destaque.
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