Por Victor Araújo*
Muito se pergunta como a extrema-direita sequestrou a classe trabalhadora. O fator central que circula a questão está na mudança de percepção que o trabalhador tem de si. Tal mudança, por sua vez, ocorreu, sobretudo, nos governos petistas. Pode-se afirmar que os avanços sociais nos anos do PT, de certa forma, acomodaram muito a classe trabalhadora. A política econômica desse período obteve êxito em amenizar os conflitos de classe através da "inclusão pelo consumo" das camadas populares.
O Lulismo tido como responsável por uma "conciliação de classes", sem dúvidas, promoveu uma despolitização de grande parte da classe trabalhadora. Para não ser injusto, essa despolitização promovida pelo PT só foi possível por um antecedente histórico crucial: a existência de uma cultura política de não participação popular. Ou seja, o brasileiro, historicamente, não tem o hábito de mobilizar-se politicamente por conta da própria construção social, cultural e histórica do país, uma construção, sobretudo, autoritária.
O ápice do sindicalismo no século XX, por exemplo, deveu-se às precárias condições de trabalho e a necessidade urgente de ampliação da cidadania. Visto isso, o motor propulsor da mobilização política, historicamente, é um forte grau de repressão aplicada às camadas populares. Com uma diminuição da repressão, da exploração e uma melhoria da qualidade de vida, a vontade de lutar desaparece aos poucos. Com isso, a despolitização que o PT causou pode ser colocada como um efeito colateral, mas, na minha concepção, que poderia ter sido amenizado caso o PT tivesse feito o que Mano Brown, anos depois, veio a aconselhar: “volta pra base!”.
Uma das pautas acusadas de serem negligenciadas pelos governos do PT foi a da segurança pública. Se houve avanço na satisfação das necessidades materiais, o próximo passo é garantir a integridade física da população. Os resultados das políticas sociais dos anos petistas fizeram com que houvesse um deslocamento das pautas que a classe trabalhadora considera como prioridade. A esquerda construiu um "tipo ideal" de trabalhador em seus discursos. Um trabalhador que teria determinadas características, determinada visão de mundo. Infelizmente, esse "tipo ideal" mostrou-se distante demais da realidade. Prova disso é que o PT, assim como a esquerda de forma geral, foi pego de surpresa com o surgimento do Bolsonarismo no Brasil.
O que se construiu nas últimas duas décadas não foi o cidadão, mas o consumidor, que se mostrou reacionário, falso moralista, etc. O consumidor que não quer conversa sobre pautas identitárias, ao contrário, repudia todas elas. O consumidor ideologizado pela pauta da segurança pública, pela necessidade de pôr ordem nessa imoralidade que domina o país. O consumidor quer ordem para poder trabalhar, tomar sua cerveja no domingo e manter sua vida sem ser contestado em suas contradições, como muitos “conservadores” vem revelando cada vez mais suas hipocrisias. O PT construiu o consumidor, o bolsonarismo irá criar o neoliberalismo mais selvagem para esse consumidor.
A esquerda poderia estar tomando um caminho para reverter esse processo, mostrando uma nova prática política para a população. O que as eleições municipais de 2020 expuseram é que a esquerda continua adormecida, persistindo nos mesmos erros e reverberando os mesmos discursos. O consumidor pode está descontente com o governo Bolsonaro, pode achar que alguns aspectos não corresponderam suas expectativas, enfim, mas o consumidor não vê uma nova alternativa, afinal, ela ainda não existe.
*Bacharel em Ciências Econômicas e Licenciando em Ciências Sociais.