29/04/2020

O Nada Preferível á Vida

O Nada Preferível á Vida 

                                               Thalia Torres*

Deveríamos considerar a vida tanto nas coisas pequenas como nas grandes uma mentira contínua...

Viver é um espetáculo tragicômico, sob o reino do acaso e do erro, é o Inferno de Dante e o inferno do mundo, o último alvo em um naufrágio, no oceano dos sentires!

Viver é estar centrado na busca incessante de uma verdade inexistente, uma verdade inventada, uma mentira marcada em carne viva no tempo;

Viver é como estar, portanto, desaparecendo como visões que logo nos deixam seduzir, viver está sempre no presente e no passado, e o presente é uma pequena nuvem sombria que o 
vento impele sobre a planície cheia de sol. 

O viver se torna nada mais que um andar de uma queda sempre evitada. Da maneira que a morte se torna a vida do corpo sempre suspensa. Uma morte adiada, e o tédio do espírito do viver, se torna combatido;

A arte de viver não consiste num mimo que nos é consentido gozar, ela nada mais é que uma miséria geral, um trabalho sem descanso, uma concorrência sem tréguas, um combate sem fim, uma atividade imposta com uma tensão extrema, de todas as forças do corpo e do espírito;

Viver é engolir com todas as bocas, o mastigar de um único dente, é uma maestria do sofrer, um mistério intermitente, ser das dores do mundo, seu mais puro confidente;

Viver é o agitar de uma grande pólvora, é limitada combustão, é resistência, a mais dura ciência, o mais ardente queimar, é se saber vivo dentro de uma, não obstante a certeza de que ela acabará por rebentar;

Viver é carregar o peso de ser desse mundo de inumanos nos ombros, um renascer-morto dentro dos próprios escombros, um interno-desabar, um vício-escorregadio, um tropeço, um tombo, é a certeza comum de deseganos e contrapontos;

Viver é o misturar de cores numa aquarela vazia, o desespero-pendurar de amores no varal da boemia, viver buscando segurança nos braços da fantasia, é o preço de um desejo, laminado á poesia, é viver a dúvida entre deuses, ela é de si mesma, a mais ilusória apologia;

Viver é se sentir no mundo um ofício sujo, é vapor barato, limitado e imundo, é um inevitável-existir, um devaneio profundo, viver é verbo medíocre, insolente adjunto, é transitivo, é paralelo, é viril, é um desconjuro, é ser patife da vida, obsoleto-oriundo; 

Viver é desespero, é dor, é agonia, é submissão a ordem que se paga, ao preço da plutocracia, é o apreço político-subcultral do cético, é um flerte á monotonia, é a troca da 'liberdade' 
rechaçada á ideologia, é o peito democrático sucumbido á tirania;

Viver é se saber bom pai no colo do filho pródigo sem amor, é viaduto com passagem abstrata, é filha vista sem pudor, é embriagar-se num maior abandonado, feito codinome 
beija-flor, é dos algozes da vida, desafetuoso professor;

Viver é destituir-se de todos os crédulos, princípios, manejos, instintos e autoregras, é vesperar com anseio tendo esperanças ás cegas, é o soprar solitário e viajante de todos os Mucuripes de Fagner, á um só barco, uma só vela, é o amargar dos licores da vida, misturados á própria mazela; 

Viver é provar-se, é comprimir-se, é efervescer-se, é ser um vácuo neste mundo, é neste mundo entristercer-se, é um cosmo-solidão, multiversátil perecer-se, é a ferida do absurdo, existencial compadecer-se, é inevitável asteróide, fruto do não-compreender-se;

Viver nos obriga a força de Krypton, se sufocar num abcinto, se aglomerar num recinto humilhado e ofendido, onde o exercício de viver, pensar e existir se torna apertado, reprimido, é o mergulhar de um poço sem fim, desaguado, ferido, são as mágoas, são os sonhos perdidos, 
viver é caminhar sob uma marcha
irrefreável curvando o próprio destino;

Viver é o descascar da ferida pela própria mão, é avesso do mundo, é o contrabaixo da canção, viver é a facada do mundo num único coração, é o mentir de um Luthor, é a mais impura emoção, é contradizer absurdo, condenar a paixão, é latrocínio de oxigênio, contrabando da emoção;

Viver é sentir de fato que a vida é um jogo bárbaro, absurdo, que ela é um torneio tosco, imbecil e obscuro, é estar de molho no limo, na friagem sem roupagem, sem rascunho, sem dignidade, sem destino algum, preso ao passar do tempo, com o que restou do ceticismo dos dias, sobrevivendo da leviandade;

Viver é o desespero nato entre ofuscar um motivo para não se perder e uma predileção, necessidade de se encontrar o tempo inteiro, é um confuso mistério, um tosco devaneio, um respiro brusco, uma dose de exageiro, é apagar a 'alegria' do mundo com a ponta no tinteiro;

Viver é o sentar no banquete amargo do mundo e exigir dele um único abocanhar, é carregar chumbo com os pés, é ferida por lavar, é sentir nas costas a carga que é a vida, é a gravidade de Júpiter num curtíssimo respirar, é a ideia absurda de busca por verdade, é o engano dos 
tolos, contínua luta da vaidade, é o futuro chegando, atropelando a modernidade; 

Viver é dor particular, ferida coercitiva, concreta-positivista, independente da vontade, ela está inerente ao exercício do ser, viver é o um eterno-finito dentro do coletivo-perecer, é apelo social, individualista cobradora, é morte seletiva, vitalícia impostora, viver é estar no palco do mundo, com classificação amadora;



* Thalia Torres (Lia), graduanda em Ciências Sociais (licenciatura) pela Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA.



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