Substantivo-Saudade
A saudade dói como um fardo.
A saudade é respirar esse fardo,
Na existência que já perdi.
A saudade agita como um louco.
Se quebra feito decoro,
No fundo político que já fali.
A saudade age como os fortes ventos.
A saudade é o abatimento, é pior que
o vencimento, é pior do que em mim,
o teu não-existir.
A saudade é latejante,
a saudade é feito vida revigorante,
no peito da viúva sem porvir.
A saudade é texto escorrido,
é contexto inserido, dos teus olhos,
ela quer me lavar.
A saudade é mística-poesia, me deixa assim
feito Gonzaguinha, sem saber o mistério da
vida, eterno-aprendiz, sangrando.
A saudade ataca como um infarto.
A saudade é amputar um fato,
da verdade-inexistir.
A saudade é ansiedade de ausência.
é do seu próprio crime sentença.
é o meu gosto no teu paladar.
A saudade é um precipício,
faz do seu penhasco um ofício,
faz do meu corpo martírio,
pra na tua ausência penar.
A saudade é como um remédio amargo,
as poesias de Saramago,
num devaneio um trago,
uma tristeza complementar.
A saudade é filosofia contemporânea,
em meu peito, dor instantânea,
uma ferida particular,
A saudade é promessa recém cumprida,
é em meu peito uma coriza,
uma lesão cardiovascular.
A saudade é sociologia compreensiva.
é fotografia na sala intensiva,
é justiça que chega por tardar.
A saudade é vida não vivida,
é sarar sem ter ferida,
é ferida por sangrar.
A saudade rói como um rato,
esse resto de textura, esse trapo,
esse meu pequeno pedaço do
que sobrou de ti.
A saudade é dolorida, atenuante,
a saudade é o futuro amante do
que deixei pra ti.
A saudade é pensamento viajante,
no teu corpo retirante, e no teu seio
o redimir, a saudade é como um
moinho, que num redemoinho,
é o meu viver sem ti.
A saudade é o peso de um segredo,
é o reverso do anseio, é morrer por esperar,
a saudade é o preço de um tropeço,
é o final sem recomeço, é sem luta
se entregar.
A saudade é conflito sem revolução,
é classista, legitimador anfitrião,
sonegadora de impostos, privatização, na solidão,
abdica de viver sozinha,
me fazendo dela seu colchão.
A saudade é feito filho que só puxa o pai quando é cego,
dói feito carícia em ferida, feita com prego,
é um desencaixe, é um desafeto,
é o infortúnio dos que a vêem de perto.
A saudade é míssil balístico, intercontinental,
explode feito Krypton, me puxa feito vendaval,
a saudade é choro constante, delírio social.
A saudade é do passado pensante,
a modernidade banal,
é dos animalescos intintos,
o seu próprio freio moral.
A saudade é rito sem cunho político,
um referendo, um plesbicito,
um demagogo boçal.
A saudade é Estado em anarquia,
é desordem, é ideologia, fruto do
muito-pensar.
A saudade é agonia, é censura, é repressão,
é vontade de tolerância,
é amante sem predileção.
A saudade é Estado Civil sem direito,
é em teu entalo um aperto,
um sopro, um pretexto,
o mais osbcuro desejo, um golpe militar.
A saudade é feito liberdade sem razão,
é viver como padre, sem benção, sem comunhão,
é viver sem poesia, se perder na boemia,
nos amores esquecidos, nos escritos do anonimato...
A saudade é o sofrer das experiências,
das teorias do amor, a mais nobre ciência,
o sentimento mais insensato,
dos amores que se vão, o mais puro internato.
A saudade é inimiga do tempo, mas amante da vida,
é sútil, perpspicaz, violenta e incisiva,
ela é o remédio da dor com o alívio da partida,
é no peito de quem a sente, o preço de uma mentira.
A saudade é a amargura, é o frio, é o desalento,
é desânimo, é torpor, é esmorecimento,
é de todas as alegrias o lamento,
de todas as certezas, o esquecimento.
A saudade é conjunto de todas as ausências,
é o Nordeste sem Elba, sem Zé, sem Alceu Valença,
é o barulho do Pi, sem a flauta da pequena.
A saudade é filha de Nelson, é irmã de Gonzaguinha,
neta de Luiz Gonzaga, é prima de Darcy, afilhada de Vargas,
é enteada de Prestes, é Olga exilada, é no prédio da vida,
uma grande faixada.
Thalia Torres. Ipu, Ceará, 22 de Janeiro de 2020.