Por Diego Sousa*
Passo a passo, Lesley Oldaker, óleo sobre papel, 2018
Tenho
observado a acentuação da correria cotidiana. Não me refiro apenas à loucura do
trânsito e à pressa para ganhar dinheiro, mas ao fato de que tudo está se
tornando um processo fabril, em estilo fordista. Tudo é muito rápido. Até a
corrida como atividade física virou uma moda (o que, de fato, considero
positivo). Músicas e até a fala em estilo rapper são
aceleradas, e os vídeos nas redes sociais, com cada vez mais opções para
reprodução em alta velocidade, reforçam essa dinâmica. É uma correria doentia que
gera a sensação de que a vida está passando rápido demais.
Houve um
tempo em que se acreditava que a criação de ferramentas para agilizar as
tarefas nos daria mais tempo livre. Infelizmente, a situação piorou
drasticamente, e o resultado é o inverso. Essa aceleração temporal impacta
diretamente a identidade individual e a capacidade de autoconstrução, conforme
pontua Richard Sennett:
“As condições de tempo no novo
capitalismo criaram um conflito entre caráter e experiência, a experiência do
tempo desconjuntado ameaçando a capacidade das pessoas de transformar seus
caracteres em narrativas sustentadas” (SENNETT, 1999, p.32).
Nesse
contexto, tenho observado uma coisa interessante: a ostentação de tempo se
tornou uma nova forma de diferenciação social por parte dos ricos. Em vez de
esbanjar apenas bens materiais, eles perpetuam um novo tipo de apartheid eterno
— no estilo da luta de classes — que é ostentar tempo e autocuidado. Enquanto a
ampla maioria da população se desdobra para ter duas ou três rendas, estudar
mais e trabalhar enquanto os outros dormem, os abastados divulgam uma vida
cheia de tempo e dedicação ao bem-estar.
Outro
traço marcante dessa supermodernidade é a implosão de tudo que está organizado.
Essa frenética aceleração do tempo e a pressão por produtividade causam um
sofrimento sistêmico, que se reflete nas instituições e na própria sociedade
civil. O sociólogo Marco Aurélio Nogueira descreve essa condição:
“As organizações passam a viver
em 'estado de sofrimento'” (NOGUEIRA, 2011).
É preciso,
portanto, ter clareza de que essa situação é uma consequência perversa do
capitalismo e da modernidade doentia que assola a vida da ampla maioria da
sociedade mundial. Transformamo-nos em operários fabris, mas com uma carga
horária muito maior do que a daqueles que foram os primeiros operários da
história industrial, que chegavam a trabalhar dezoito horas por dia. Essa
dinâmica não representa um novo estágio, mas sim a intensificação do que já
conhecemos:
“Em vez de estarmos entrando num
período de pós-modernidade, estamos alcançando um período em que as
consequências da modernidade estão se tornando mais radicalizadas e
universalizadas do que antes” (GIDDENS, 1991, p.13).
Referências
SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho
no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 1999.
NOGUEIRA, Marco A. Um Estado para a sociedade civil: temas éticos e
políticos da gestão democrática. 3ª. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora da
Unesp, 1991.
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*Diego Sousa é assessor de comunicação,
escritor, produtor audiovisual, designer e crítico político. Possui graduação
em Sociologia, com grande interesse na área da Educação, com ênfase nas
Ciências Sociais.

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