27/06/2024

Por que a sindicalização permanece em queda no Brasil?


Portal Vermelho ouviu líderes sindicais e especialistas para interpretar os números e propor alternativas às entidades. Em comum, todos afirmam que o encolhimento na sindicalização se deve a múltiplas causas

As taxas de sindicalização no Brasil, em queda constante desde 2016, sofreram um novo revés no primeiro ano do governo Lula. O País terminou 2023 com apenas 8,4 milhões de trabalhadores sindicalizados – o equivalente a 8,4% da população ocupada.

É o que aponta a nova Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, divulgada na sexta-feira (21) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O patamar atual é o menor da série histórica, iniciada em 2012, quando o Brasil tinha 89,7 milhões de pessoas ocupadas, sendo 16,1% sindicalizadas. Em 11 anos, a taxa de sindicalização caiu praticamente à metade.

Perdas do gênero são comuns em momentos de crise econômica e desemprego. O cenário brasileiro, porém, foi favorável no último ano, com crescimento do PIB acima do esperado e geração de mais de 1,4 milhão de postos formais de trabalho. Ainda assim, só de 2022 para 2023, os sindicatos perderam 713 mil associados – um recuo considerável de 7,8%.

O próprio IBGE apontou que, em 2023, a população ocupada bateu recorde no País, totalizando 100,7 milhões de pessoas. Além disso, conforme o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), 77% das negociações coletivas resultaram em aumentos reais nos salários.

Se as convenções e os acordos coletivos avançaram – numa demonstração da relevância do movimento sindical para os trabalhadores –, por que os números de sindicalização no País seguem em declínio? O que fazer para estancar a crise?

Múltiplas causas

Vermelho ouviu líderes sindicais e especialistas para interpretar os números e propor alternativas às entidades. Em comum, todos afirmam que o encolhimento na sindicalização se deve a múltiplas causas. “A principal é a combinação de estagnação econômica de um lado e a precarização do trabalho de outro”, diz Nivaldo Santana, secretário Sindical do PCdoB e dirigente da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil).

Para Nivaldo, o sindicalismo é alvo da “ofensiva ideológica do capital, que estimula o individualismo, a meritocracia e o falso mito do empreendedorismo”. Ao influenciarem a “subjetividade do trabalhador”, os empregadores dificultam ainda mais o “desenvolvimento da consciência classista”.

A tudo isso se somam as novas formas de gestão e organização do trabalho. “As grandes concentrações de trabalhadores foram substituídas por unidades descentralizadas, ao mesmo tempo em que houve o avanço do trabalho por conta própria”, comenta Nivaldo. “Os novos paradigmas reforçam a individualização das relações do trabalho, bem como a negação ou subestimação da importância da organização e luta coletivas – que são os pilares sobre os quais se sustenta a organização sindical.”

Conforme o consultor sindical João Guilherme Vargas Netto, o índice de 16% de sindicalização – que permaneceu relativamente estável de 2012 a 2015 – não se sustentou devido a “elementos políticos, ideológicos e estruturais”. A taxa começa a cair em 2016, ano do golpe que depôs a presidenta Dilma Rousseff (PT) e levou Michel Temer (MDB) ao Planalto. No ano seguinte, sobreveio a reforma trabalhista.

“Foi, na verdade, uma deforma, que rompeu o pacto da sociedade com os sindicatos e estimulou uma ideologia antissindical. A cobertura ideológica negativa se intensificou, e os sindicatos se transformam em estorvo”, diz. “A partir de 2019, com o (Jair) Bolsonaro na Presidência, a crise se acentua e a queda na sindicalização se acelera.”

A exemplo de Nivaldo, Vargas Neto ressalta as mudanças no mundo do trabalho. Além das novas tecnologias e da uberização, há uma tendência que ganha impulso durante a pandemia de Covid-19: o home office. “Não se trata apenas de desemprego e informalidade – mas também da nova gestão do trabalho.”

“Patrões de si mesmos”

Marcos Verlaine, analista político do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), é outro especialista a associar a crise sindical à reforma trabalhista. “Não é mera coincidência que os índices tenham caído exatamente no período de vigência dessa contrarreforma, que desregulamentou direitos e regulamentou restrições nas relações de trabalho”, afirma.

Em sua opinião, ao legalizar tipos precários de contratos de trabalho – “a tempo parcial, temporário, intermitente” –, a reforma inibiu a sindicalização. “Os trabalhadores não se sentem como parte da empresa e se afastam dos sindicatos. Sem contar que há enorme pressão do patronato para a não sindicalização.”

A falta de organização coletiva prevalece sobretudo entre os autônomos. “Só de trabalhadores com aplicativos, já são mais de 2 milhões no País. Esses ‘patrões de si mesmos’ não vão se sindicalizar, pois não enxergam os sindicatos como instituições que protegem os trabalhadores.” O fenômeno, no entanto, vai além do movimento sindical. “A despolitização da maioria da sociedade brasileira deixa os trabalhadores mais vulneráveis às intempéries das relações de trabalho – e menos afeito à luta coletiva por conquista e manutenção de direitos, cujos protagonistas são os sindicatos.”

João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força Sindical, reforça que os retrocessos legais não se restringiram à reforma trabalhista. “A queda da sindicalização já se observa há um certo tempo e está ligada a mudanças na legislação nos governos Temer e Bolsonaro”, opina.

“Além do trabalho temporário, dos acordos individuais de trabalho e da retirada das homologações nos sindicatos, tivemos a queda da contribuição sindical, que levou à diminuição do financiamento das entidades. Vários serviços prestados pelos sindicatos aos trabalhadores tiveram de ser fechados”, acrescenta.

Saídas

Os sindicalistas concordam que mudanças econômicas são essenciais para frear a crise. “Só com crescimento do emprego formal com registro em carteira é que criaremos as condições para maior organização sindical”, resume Juruna. A seu ver, sindicatos, federações, confederações e centrais devem promover uma “campanha nacional de sindicalização”, com ações nos locais de trabalho e divulgação na grande mídia. “Poderíamos diluir o custo disso entre os participantes.”

Sua proposta é compartilhada por Vargas Netto. “Escrevi no começo do ano que o movimento sindical deveria fazer uma campanha nacional de sindicalização, dada a aflição que os números causam. Ainda está em tempo”, afirma. “Que 2024 seja o ano da sindicalização, associada a qualquer ação das entidades. Assim que concluírem campanhas salariais ou conquistarem PLRs, as direções sindicais devem ‘subir às bases’, unitariamente, para sindicalizar e ressindicalizar.”

Nivaldo reforça o vínculo indispensável entre um novo cenário econômico e a atuação do movimento sindical. “Um ambiente econômico-trabalhista mais favorável para a reversão desse quadro passa por crescimento econômico, retomada da industrialização, criação de empregos de qualidade e revogação das reformas regressivas. Além disso, trabalho intenso de base, formação classista e renovação das formas de organização e de luta são imprescindíveis para a retomada do fortalecimento sindical.”

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