Por Mônica Matias*
“Por que a gente prende e, às vezes, a lei frouxa obriga
o juiz a soltar”, foi com essas palavras que o governador do Estado
do Ceará, Elmano de Freitas, inaugurou mais uma base do RAIO (Rondas de Ações
Intensivas e Ostensivas) e do Centro de Videomonitoramento em Cedro (CE), na
última segunda-feira, dia 20[1],
no município de Cedro/CE.
A bem da verdade, esse discurso requentado e caricato não é
novidade no campo político brasileiro que, volta e meia, reaparece à medida em
que se aproxima o período eleitoral.
As vantagens de adotá-lo são, pelo menos, três: além de
impressionar e despertar uma espécie de ressentimento nas massas com seu
sensacionalismo rasteiro, ele possibilita a terceirização de “culpas” por
eventual insucesso na gestão da segurança pública, ao mesmo tempo em que é
utilizá-lo como bandeira política para garantir re(eleições).
Nesse artigo, irei tentar demonstrar que esse discurso que
denuncia uma possível conivência do Poder Judiciário com a impunidade é
falacioso.
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública[2] apontam que o Brasil
conta com um total de 909.594 pessoas privadas de liberdade, dentre presos
condenados e provisórios (tanto no sistema prisional, quanto custodiados pelas
polícias). Desse total, 38.446 presos estão no Estado do Ceará.
Ainda de acordo com o Anuário,
a variação percentual da evolução da população carcerária no Brasil entre os
anos de 2000 e 2024 aumentou em nada menos do que 417,7%.
Por outro lado, o sistema
penitenciário do Estado do Ceará, que conta com déficit de mais de 6
mil vagas – dados de maio de 2025[1] - já possui 8 presídios
interditados por motivo de superlotação carcerária (incluindo o presídio do
Município de Sobral que tem um excedente populacional de 40,2%.[2]).
Nesse cenário de superlotação carcerária e com um sistema
penitenciário prestes a colapsar, como é possível sustentar que “polícia
prende, juiz solta”?
Apesar disso, o governador Elmano, que fala sem apresentar dados
concretos, números ou estatísticas para comprovar o que alega, ainda afirmou
que: “Se prepare, porque nós vamos prender mais bandidos no Ceará,
para dar tranquilidade ao povo cearense”, declarou.
O governador só esqueceu de esclarecer de que forma fará isso.
Quantos presídios irá construir no Ceará para comportar essas pessoas? Quantas vagas
serão criadas? Em quanto tempo? Foi feita dotação orçamentária para tanto?
O Governador - que demonstra com a sua fala um completo
desconhecimento da realidade do sistema penal brasileiro atual – não fica
isolado quando o assunto é populismo penal político-partidário.
Na verdade, o uso político do Direito Penal (à esquerda e à
direita!) como ferramenta eleitoreira e sensacionalista não é novidade no
Brasil que conta hoje com uma inflação legislativa que apenas enfraquece,
desmoraliza e vilipendia esse ramo do Direito.
Pesquisas no campo da criminologia – ramo das ciências criminais
que o governador Elmano, advogado que é, deveria dominar melhor – apontam que,
ao contrário do que esse discurso falacioso prega, na verdade, o Poder
Judiciário tem uma participação direta nesse estado de coisas
(inconstitucional) da superpopulação carcerária brasileira[1] e só raramente funciona
como filtro às prisões ilegais (não raramente) cometidas pela Polícia Militar.
Lamentavelmente, os
governos de forma reiterada apostam em projetos de lei que apenas criam novos
crimes, aumentam penas e superlotam presídios, porque é o populismo que
conquista as massas, ao mesmo tempo em que desprestigiam uma política criminal
séria e focada no que realmente funciona em termos de eficácia no controle da
criminalidade.
Já é passada a hora
de se fazer política de segurança pública com seriedade, baseada em evidências,
em ciência, em sociologia e criminologia. Já é passada a hora de se fazer
política criminal séria. Já é passada a hora de se levar o Direito Penal a
sério.
Enquanto reinar o
populismo rasteiro midiático, padeceremos todos, à esquerda e à direita.
[1] Fonte: Instagram da TV
Jangadeiro.
[2] Disponível em:
https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2025/07/anuario-2025.pdf
[3] Fonte: Diário do Nordeste. Disponível em: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/seguranca/estado-tem-sete-presidios-interditados-para-receber-novos-presos-e-deficit-de-6-mil-vagas-no-sistema-1.3646037#:~:text=O%20Sistema%20Penitenci%C3%A1rio%20cearense%20tem,a%20cria%C3%A7%C3%A3o%20de%20novas%20unidades.
[4] Fonte: Diário do Nordeste. Disponível em: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/seguranca/oitavo-presidio-cearense-e-interditado-pela-justica-e-nao-pode-receber-novos-detentos-veja-lista-1.3653375
[5] Vide nesse sentido pesquisa de doutoramento de Marcelo Semer “Sentenciando tráfico: pânico moral e estado de negação formatando o papel dos juízes no grande encarceramento (2019)”, disponível em: https://repositorio.usp.br/item/002944171
*Mônica Matias é advogada criminalista, com atuação exclusiva na área do Direito Penal. É graduada em Direito pela UVA, especialista em Ciências Criminais pela Universidade Estácio de Sá e atualmente pós-graduanda em Direito Penal e Criminologia pela PUC do Rio Grande do Sul. Atuou como assessora de Delegado da Polícia Civil e foi presidente da Comissão de Defesa das Prerrogativas da OAB/Sobral. É membro da Comissão de Estudos em Direito Penal da OAB/Ceará e coordena o Núcleo de Defesa da Advocacia Criminal (NuDAC), iniciativa voltada à valorização e proteção da atuação da advocacia criminal no município e região.

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