Por Dra. Mônica Matias*
Iniciou-se hoje (02 de setembro de
2025), no Supremo Tribunal Federal, o julgamento de Bolsonaro e outros acusados
de suposta tentativa de golpe de Estado em 2022. O grupo foi denunciado por
cinco crimes, ao todo, dentre os quais Abolição violenta do Estado Democrático
de Direito[1] e
Golpe de Estado[2].
Sabemos que independentemente da
consumação dos delitos, os acusados podem ser condenados, já que os tipos
penais preveem punição na modalidade “tentada” (Ex.: Tentar abolir..., tentar
depor...), até porque, caso houvesse consumação, não haveria sentido falar
em punição já que não haveria mais Estado e, portanto, persecução penal
etc.
Mas, afinal, Bolsonaro não consumou o
golpe por que não pôde ou por que não quis? Existe diferença?
Para respondermos a essa pergunta,
necessariamente, temos de fazer uma distinção necessária entre crime tentado e
desistência voluntária, conceitos que são de fácil assimilação e distinção.
Ocorre desistência quando o agente
desiste de prosseguir na execução, mesmo que ninguém o impeça. Nesse caso,
ele só responde pelos atos já praticados. A tentativa por sua vez ocorre
quando, iniciada a execução do crime, ele não se consuma por
circunstâncias alheias à vontade do agente. Nesse caso, o agente será punido
com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.
Podemos sintetiza a ideia com o
clássico arremate: “posso, mas não quero”, no caso da desistência
voluntária e “quero, mas não posso”, no caso da tentativa.
Para facilitar a compreensão, vou
exemplificar:
Imagine que o presidente Lula, pretendendo
matar o ex-presidente Bolsonaro, desfere disparos de arma de fogo em direção a
órgãos vitais de seu inimigo. Antes que pudesse descarregar a pistola, a
polícia chega e impede que o agente prossiga com o ato. Temos claramente nesse
caso um exemplo de tentativa, pois o agente apesar de ter iniciado a execução
do crime não pôde consumá-lo por circunstâncias alheias à sua vontade. Nesse
caso, Lula responderia pelo crime de homicídio com direito a redução da pena,
prevista no Art. 14, inciso II do Código Penal.
Outra situação bem diferente seria se
Lula, pretendendo matar Bolsonaro, saca a arma e aponta para o arqui-inimigo.
Após desferir o primeiro disparo ou antes mesmo disso, reflete melhor e desiste
do intento homicida. Nesse caso, responderia apenas pelos atos praticados. Ou
seja, se eventualmente chegasse a lesionar o ex-presidente Bolsonaro,
responderia pela lesão corporal simplesmente.
Claro que os exemplos são meramente
ilustrativos, mas trazem uma repercussão prática relevante, pois enquanto na primeira
situação, o agente responderia pelo grave crime de homicídio (que tem penas
variáveis, a depender do caso, mas que pode chegar a 30 anos de prisão), na
segunda situação responderia por mera lesão corporal, crime bem menos grave e
cuja pena é insignificante, se comparada à de homicídio (03 meses a 01 ano).
Veja que em ambos os exemplos a vítima sobreviveu!
Mas, trazendo para a realidade do caso
concreto aqui analisado, haveria diferença prática para Bolsonaro, caso se
entendesse que não houve tentativa, mas sim desistência voluntária?
A resposta é: haveria implicância
prática e com séria repercussão, pois se comprovado que, de fato, o
ex-presidente iniciou a execução do crime de tentar abolir o
Estado ou tentar depor o governo constituído, mas que não deu
continuidade porque voluntariamente teria desistido, a consequência seria a sua
absolvição por atipicidade das condutas previstas, já que tais crimes só são
punidos na modalidade tentada e não haveria como punir os atos já praticados
por ausência de previsão legal.
Existe segmento que afirma que, no caso
concreto, o ex-presidente não teria consumado o delito porque não teria
angariado o apoio de forças políticas e militares suficientes a sustentar o
referido plano.
Bom, se houve tentativa - e, portanto, o ex-presidente não prosseguiu com o crime por circunstâncias alheias à sua vontade - ou se na verdade, houve uma desistência do ex-presidente de dar continuidade à execução criminosa, essas respostas apenas serão respondidas após o término do julgamento com a análise de todas as provas e alegações produzidas.
_______________________________
[1] Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou
grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo
o exercício dos poderes constitucionais:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além
da pena correspondente à violência.
[2] Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou
grave ameaça, o governo legitimamente constituído:
Pena - reclusão, de 4
(quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.
*Mônica Matias é advogada criminalista, com atuação exclusiva na área do Direito Penal. É graduada em Direito pela UVA, especialista em Ciências Criminais pela Universidade Estácio de Sá e atualmente pós-graduanda em Direito Penal e Criminologia pela PUC do Rio Grande do Sul. Atuou como assessora de Delegado da Polícia Civil e foi presidente da Comissão de Defesa das Prerrogativas da OAB/Sobral. É membro da Comissão de Estudos em Direito Penal da OAB/Ceará e coordena o Núcleo de Defesa da Advocacia Criminal (NuDAC), iniciativa voltada à valorização e proteção da atuação da advocacia criminal no município e região.
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