Dra. Mônica Matias - Tragédia Na Segurança Pública: As Cidades Mais Violentas Do Brasil Estão No Nordeste


Andressa Anholete (AFP)

Saiu no Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2025)[1] que, das dez cidades mais violentas do Brasil, todas, isso mesmo, todas estão localizadas na região Nordeste, distribuídas pelos Estados da Bahia (cinco cidades), Ceará (três cidades), e Pernambuco (duas cidades).

É triste ter que admitir que a cidade apontada como a mais violenta do país fica no nosso querido Estado do Ceará. A campeã em violência, Maranguape (cidade que só possui pouco mais de 108 mil habitantes), contabilizou 87 mortes em 2024, atingindo taxa de 79,9 mortes por grupo de 100 mil habitantes[2]. Esse alto índice de violência, segundo aponta o próprio anuário, está diretamente associado a disputas entre facções do crime organizado pelo controle do tráfico de drogas.

Se antes as cidades interioranas do Nordeste, em especial do Ceará, eram vistas como um oásis em meio ao deserto, justamente em razão da sua tranquilidade, seu estilo de vida pacato e suas paisagens naturais belíssimas, hoje, não mais. Ao contrário, hoje são vistas como lugares perigosos e intranquilos para se viver.  

Essa mudança no cenário da segurança pública dessas cidades nordestinas pode ser explicada pelo fenômeno migratório de grandes facções criminosas do Sudeste para o Nordeste. Grandes facções, a exemplo do PCC (Primeiro Comando da Capital) e do CV (Comando Vermelho), que são originárias, respectivamente, de São Paulo e Rio de Janeiro, hoje dominam boa parte dos estados do Nordeste. 

Pesquisadores do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP) destacam que a expansão das facções para além de seus principais redutos – Rio de Janeiro e São Paulo – foi um fenômeno silencioso que começou a partir da segunda metade da década de 2000 no Brasil[3].

É verdade que essas facções ainda mantêm naqueles estados do Sudeste os seus grandes centros de comando e controle do crime, no entanto, é impossível não observar a impressionante redução de taxas de homicídios no Rio e em São Paulo – lugares que antes eram o grande foco da violência.

Não é leviano afirmar que o crime organizado viu nas cidades do Nordeste um porto seguro para o estabelecimento de suas atividades criminosas, já que essa “invasão” territorial só foi possível graças à inação das autoridades que assistiram bestializados a esse evento migratório, criando um cenário ideal para o crime organizado, na medida em que a deficiência estrutural policial acabou por favorecê-los.

Certamente é injusto atribuir toda a responsabilidade sobre a gestão dessa brutal violência - e de seus números aterradores - sobre os governos estaduais já que, como visto, as facções criminosas exercem influência e poder violento em todo o território nacional. Mas certamente a postura adotada pela maioria dos governadores do nordeste, no mínimo, foi ingênua - e continua a ser omissa - diante da onda de invasão experimentada pelas cidades nordestinas, num processo que não ocorreu “da noite para o dia”, mas que já tem levado alguns anos.

Destaque-se que, em nível nacional, a adoção de medidas de recrudescimento penal pelo Congresso Nacional, a exemplo do pacote anticrime, longe de serem efetivas no combate à violência, mais servem de propaganda eleitoreira de políticos que só pensam em se perpetuar no poder.      

O recrudescimento penal só favorece a inflação da população carcerária que, em última análise, servirá ao crime organizado, pois recruta desse ambiente prisional a força de “trabalho” que servirá aos seus interesses já que, nesses ambientes, jovens primários e de baixa periculosidade são muitas vezes aliciados para o crime.

Aliás, é importante ter em mente que as maiores facções criminosas do país nasceram dentro dos presídios. Logo, é tolice crer que esse tipo de medida terá algum impacto na redução da violência das ruas.

Some-se a isso o ineficiente modelo de trabalho policial adotado pela Constituição de 1988 que, ao mesmo tempo em que determina que a polícia militar adotará papel de polícia ostensiva, a proíbe de realizar investigações. Isso só contribui para que esses profissionais se dediquem à atividade “enxuga-gelo” de pequenas apreensões de drogas e prisões de jovens primários e, a rigor, de baixa periculosidade.

Por outro lado, a Polícia Civil, de investigação e inteligência, por ser a responsável por lavrar formalmente essas prisões realizadas pela polícia ostensiva, acaba por ter seu trabalho de investigação inviabilizado em razão do excesso de prisões e apreensões com as quais diuturnamente tem que lidar. Some-se a isso, claro, a já tão conhecida ausência de investimentos em equipamentos e tecnologia de ponta que são indispensáveis a investigações eficientes.

Esse cenário explica o sentimento mais contraditório e reinante na sociedade brasileira: ao mesmo tempo em que diversas prisões são efetuadas todos os dias (o Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, que já ultrapassa em números absolutos a quantidade de 909.594[4] pessoas) convivemos, ironicamente, com o sentimento de impunidade criminosa relativa a crimes violentos.

Essa política de segurança pública se mostra não só ineficiente no combate ao crime organizado, mas também injusta, na medida em que essas prisões e apreensões de pequeno impacto são reconhecidamente atravessadas pelo racismo estrutural e só servem para favorecer a segregação prisional de parcela economicamente mais desfavorável da população, o que reforça desigualdades, e deixa de mirar naqueles que de fato interessam no nível macro à segurança pública.

Segurança pública se faz com investimento em inteligência e no uso de tecnologia sofisticada nas investigações criminais. Do contrário, continuaremos a lamentar a tragédia que nossas pequenas e pacatas cidades interioranas tem experimentado cotidianamente em termos de violência urbana.



[1] Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2025/07/anuario-2025.pdf

[2] Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2025)

[3] Fonte: Gazeta do Povo. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/como-faccoes-criminosas-ganharam-forca/

[4] Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2025).


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