Dra. Mônica Matias - Por Que Notícias Ruins Interessam Mais: O Papel Da Mídia Na Percepção De (In)Segurança Pública No Brasil


No contexto das redes sociais, observamos que, do ponto de vista micro, existe uma tendência de produção de conteúdos voltados para temas e questões que causem forte impacto no interlocutor porque, evidentemente, influenciadores digitais e demais profissionais que trabalham com mídias sociais precisam capturar a sua atenção a fim de gerar views, likes e engajamento. 

Já do ponto de vista macro, as “big tecs” faturam bilhões com a circulação em massa de notícias falsas[1]. Sabemos que  uma notícia falsa (fake news) tem muito mais propensão ao engajamento do que notícias verdadeiras.

 

Uma mensagem falsa tem 70% mais chances de ser retransmitida (Reuters/Kacper Pempel). Notícias consideradas falsas se espalham mais facilmente na internet do que textos verdadeiros. A conclusão foi de um estudo realizado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), instituição de ensino reconhecida mundialmente pela qualidade de cursos de ciências exatas e de áreas vinculadas à tecnologia[2].


Inclusive, a mera possibilidade de aprovação de lei que regule e limite o âmbito de alcance das fake news é tão preocupante para empresários do ramo que, no ano de 2023, “em depoimento, executivos do Google afirmam que big tech gastou R$ 2 milhões com anúncios sobre PL das Fake News”[3], mas negaram qualquer tentativa de influenciar a opinião pública acerca do referido projeto.

Se é verdadeira a correlação entre lucro e engajamento, com base nas evidências acima apontadas, também é possível concluir que notícias boas nem chamam, em geral, a atenção do público, nem são lucrativas para empresas do ramo da comunicação.

O mesmo raciocínio se aplica aos programas jornalísticos tradicionais de rádio e televisão. Poucas notícias impactantes, pouco retorno financeiro. E as notícias que impactam, sem dúvida, são as notícias ruins, que causem comoção, revolta e medo. 

No Brasil, um caso ficou extremamente famoso: o do apresentador (que depois se tornou político) Wallace Souza. O apresentador foi acusado de ter encomendado diversos crimes apenas para noticiá-los em primeira mão em seu programa de notícias, na cidade de Manaus. Com o seu sensacionalismo barato e lições de moral ao vivo, o apresentador conquistou o público e bateu recordes de audiência, a ponto de sua história ter se transformado em série da Netflix. 

Se é fato que muitos lucram com uma comunicação enviesada e tendenciosa, não é menos verdade que a comunicação forma a opinião e percepção das pessoas sobre diversos temas.

Importa aqui destacar que o Atlas da Violência[4] (pesquisa divulgada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública), em sua mais recente publicação, evidenciou que houve expressiva redução do número de homicídios no Brasil (cerca de 30%, de 65.602, em 2017 para 45.747, em 2023). 

De forma contraintuitiva, no entanto, a percepção do público sobre a violência piorou, sendo apontada como a maior preocupação dos brasileiros, no ano de 2025, de acordo com pesquisa Genial/Quaest[5].

Na prática, os números revelam que a percepção coletiva sobre segurança pública nem sempre reflete a realidade, sendo muitas vezes influenciada fortemente por fatores externos. Podemos concluir até que se a percepção pública sobre a segurança está tão ruim, mesmo que os números revelem diminuição de crimes violentos, certamente essa percepção se deva muito mais ao conteúdo sensacionalista e inflamado que predominam nos meios de comunicação em geral, do que ao número de crimes graves efetivamente praticados no Brasil.

As consequências sobre a influência da mídia na percepção de segurança pública não param por aí, pois todo esse material acaba por se transformar em insumo para elaboração de políticas de segurança publicas fadadas ao insucesso, posto que fincadas nas bases frágeis do sensacionalismo e manipulação midiáticos que só visam lucro fácil, ignorando pesquisas, dados e produções acadêmicas e científicas.

Mesmo sabendo da importância de conteúdos informativos, essa não é ou não deveria ser a base da comunicação social no Brasil. Inclusive a Constituição Federal[6] elenca que princípios outros deveriam norteá-la. 

Assim sendo, e considerando a probabilidades de os veículos de comunicação incidirem dolosamente no descumprimento de tais princípios, urge que agentes da administração e da política, além de instituição de controle, monitorem com mais veemência tais veículos, não sendo preciso destacar que a prioridade absoluta no atual estado de coisas na qual nos encontramos é, sem dúvida, a regulamentação do funcionamento das empresas “big techs” e de seus produtos no Brasil.


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[1] De acordo com notícia veiculada pelo Jornal da Band, só em 2023, as cinco maiores empresas de tecnologias faturaram juntas US$ 1,59 trilhão, chegando perto do PIB brasileiro. Veja a matéria em: Só em 2023, as cinco maiores empresas de tecnologias faturaram juntas US$ 1,59 trilhão, chega perto do PIB brasileiro

[2]https://agenciabrasil.ebc.com.br/pesquisa-e-inovacao/noticia/2018-03/pesquisa-noticias-falsas-circulam-70-mais-do-que-verdadeiras-na

[3]https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2023/06/em-depoimento-executivos-do-google-afirmam-big-tech-gastou-r-2-milhoes-com-anuncios-sobre-pl-das-fake-news.ghtml

[4] https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2025/05/atlas-violencia-2025.pdf 

[5]https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2025/04/02/violencia-e-a-maior-preocupacao-dos-brasileiros-aponta-pesquisa-genialquaest.htm

[6] CF/88, Art. 221.: A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:

I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;

II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;

III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;

IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

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