Entro e saio dos metrôs diariamente. Às 9h, pausa para o café da manhã, ao meio dia pausa para o almoço, checo as redes sociais, procuro me distrair ouvindo podcast, faço uma lista de compras, minto para mim dizendo que irei começar a ser mais light, não comer tanta besteira.
Ainda assim, meus olhos procuram alguém ainda no final do dia, nos metrôs, nas catracas. É como se nada resolvesse, nem mesmo o cansaço físico e mental fosse o bastante. Abro a caixa de memória, tateio, encontro papéis, canetas, chaves, batom, bilhetes de cinema. Ao fundo: encontra-se o que eu não queria ver: o teu semblante. Tenho a sensação que muitos solitários estão fazendo o mesmo, embriagaram-se de ocupações, preenchendo seu espaço de tempo a fim de não pensar. Isso não é autodestruidor?
O que resta é fingir, fingir que não estou sentindo, até eu não sentir nada, fingir que não te conheço, fingir que não vi teus tropeços, fingir que não lhe desejei desde a primeira vez que lhe vi. Fantasiar que aquilo foi um delírio coletivo, uma dor de cabeça que se assemelhava à enxaqueca, e passou.
Já faz alguns meses que somos um mistério um para o outro. Somos desconhecidos, quase vizinhas, mas não existimos mais. Eu, ainda existo, sobrevivi. Tenho um refúgio, um canto para chamar de meu. Ainda tenho os bares da cidade, os amigos, ainda tenho um canto para tomar café quando quiser ficar só.
Eras a minha fome, o meu desejo, meu apetite. Um sonho não realizado. Eras a minha alegria, meu futuro, sentia uma imensa vontade de viver quando olhava o teu rosto. Tudo girava em torno de ti, eu permitia que isso acontecesse. Tínhamos tudo, absolutamente tudo para dar certo. Quando fiquei sem ti, minhas mãos e meu corpo ficaram apáticos, a tristeza saiu de mim e deu lugar às coisas. Não conseguia mais escrever sobre as coisas belas da vida. Reclusa, apanhei toda a minha frustração e abracei-a. Saudade, eu dizia, mas era uma saudade de algo que não se concretizou.
Hoje, após meses, ainda fazendo o mesmo trajeto de quando lhe conheci, eu não quero mais pensar em dores e agonias. Nem senti-las. Quero lembrar dos momentos bons, mas sem sentir tanta falta. Que triste, meu bem, que não viram nossas cenas, quando nos encontrávamos tudo era alegria, encantamento…
Mais um dia chega ao fim. Cansado, com os pés esmorecidos, tomo um banho, belisco alguma coisa para enganar o estômago, assisto ao jornal e me deito… Madrugada, outra vez, você invadindo o pensamento. Memórias, reluto para pensar em outra coisa, não a tenho mais. Não tenho mais fotos suas no meu aparelho celular. Pensar é penoso demais. Me resta esperar.
O mundo parou.
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Emanuela de Sousa é poeta e escritora, natural de São Paulo do Abc paulista. Fez teatro aos 11 anos e se arriscou pela pintura e em desenhos, mas foi na escrita que se encontrou. Emanuela hoje é autora de dois livros publicados: Interrupto, sobre todas as coisas que guardei (2016) e Coração a bordo (2020) Além dos livros ela é colunista no Jornal Meio dia.
Me identifiquei bastante com o seu texto
ResponderExcluirAbraços