Jair Bolsonaro perdeu a presidência com 59,2 milhões de votos contados. Aumentou sua votação em 7 milhões nas quatro semanas entre o primeiro e o segundo turno. Não é pouco. Nesse período, por exemplo, o vitorioso Lula ampliou seu eleitorado em 2,8 milhões.
Desde as 19h57m de domingo, quando as leis da matemática prenunciaram o fim do mandato, ele mantém silêncio público. Aos aliados, em privado, alterna-se entre o choque, a negação, a raiva, a depressão, a necessidade de aceitar a realidade e a de negociar salvo-conduto para a vida na planície.
Bolsonaro, nas urnas, teve desempenho ímpar como líder extremista. Se demonstrou talento para administrar interesses contraditórios de frações radicais, conservadoras e liberais, fracassou em conduzi-las num governo competente.
Resultado: faltaram votos e o projeto político da direita bolsonarista acabou rejeitado pela maioria dos eleitores, que, numa ironia da história, escanteou a esquerda e deu a grupos moderados de centro-direita predomínio na Câmara, no Senado, nas assembleias e nos governos dos Estados.
Bolsonaro vai correr contra o relógio partir de hoje. Tem 63 dias para cumprir o rito de passagem constitucional, com regras específicas (promulgadas pelo falecido senador Ramez Tebet, pai de Simone, senadora e ex-candidata presidencial do MDB, e por Lula, no segundo governo, inspirado no “manual” de Fernando Henrique Cardoso em 2002).
Poder é empréstimo. Ele tem somente oito semanas para preparar o retorno à planície, sinônimo de inferno para alguns políticos. Vai encontrar a várzea repleta de feridos que deixou no caminho, muitos culpando-o pela própria derrota, como fez o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha: “Bolsonaro nem precisava de adversário, perdeu para ele mesmo.”
Eu sei que é chato dizer isso, mas eu avisei!”, registrou ontem a senadora ex-candidata presidencial do União Brasil Soraya Thronicke, que o apoiou em 2018 e logo se tornou uma dura adversária. “Arrogância, idolatria, fanatismo, cegueira, traição e indiferença se converteram no resultado das urnas. Bolsonaro não é o que pregava. Aceitar e agradecer os eleitores que ele enganou é o mínimo que o cabo eleitoral de Lula deve fazer.”
Por ter desistido de construir um partido, Bolsonaro dispersou sua bancada mais fiel, dona de meia centena de votos no Congresso. Essa minoria extremista rumina ressentimento, como atesta o deputado reeleito Carlos Jordy, do PL do Rio: “Lula não governará o País”. Mas já está em processo de isolamento em agrupamentos como PL, PP e Republicanos, pilares do Centrão, até aqui esteio parlamentar do governo.
Os demais, maioria aliada dentro desses partidos, avançam em acordos com o presidente eleito. Correm para ajudar o vencedor. Valdemar Costa Neto, dono do PL; Arthur Lira, presidente da Câmara, e Ciro Nogueira, chefe da Casa Civil, do PP; e, também Marcos Pereira, do Republicanos, já iniciaram negociações com futuro governo Lula.
Com o poder presidencial esvaindo-se a cada minuto, Bolsonaro vislumbra uma chance de negociação no par de meses restante no Planalto: alguma forma de imunidade, se possível extensiva à família, a partir de janeiro.
Ele está no alvo de investigações no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior Eleitoral, por delitos constitucionais contra o regime democrático, o processo eleitoral, as instituições judiciais, vazamento de inquéritos criminais sigilosos e difusão de falsidades variadas — entre elas, a de que a vacina contra a Covid-19 provocaria AIDS.
À princípio, os processos sairiam do STF na segunda-feira 2 de janeiro, quando Bolsonaro acorda na planície. Sem a blindagem do mandato presidencial, estaria sujeito a decisões de juízes de primeira instância, como aconteceu com o ex-presidente Michel Temer.
Via Veja
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