31/05/2022

THALIA TORRES: O Sol do Redemoinho Gelado

Por Thalia Torres*


Foram dias difíceis. Cheios de vitórias incríveis e outras, nem tanto, mas também de golpes devastadores... 

Dias em que tudo o que te pesa, não é coisa física, mas a mágoa com o passado. A decepção com o presente, o medo do futuro e a descrença nos homens. 

O passado é a linha avessa do tempo. Sendo o tempo, a foice ceifadora da vida. Eficiente, certeira e inabalável. Os dias são de peso, mas também de resistência. 
Está tudo bem em não estar bem. E está tudo bem em apenas sobreviver e não está a prosperar agora. Uma das mais duras lições que se tem na vida são, que força e coragem, também exigem vulnerabilidade.

Que o medo do fracasso, da deslealdade do mundo, é um transformista. De modo que, o que se teme, é o próprio medo. E o que nos consome agora, é o cansaço desse "jogo de ensaios" sem peça marcada, chamada 'vida'. Diferente das grandes alegrias, a idade madura não chega em dias claros  e efervescentes. Pelo contrário, chega em noites frias de verão. Como um sol, num redemoinho gelado.  

A sensação que se tem diante da vida gelada e madura, é de estar a frente do próprio sentido de existência, do nosso próprio tempo. Algo que é extremamente desconfortável, entretanto, consolador. Afinal, como diria Zé Ramalho, o gigante da Paraíba: 'nossos vinte de anos de That's over baby já começam por terminar (Freud explica)!?'
É muito gratificante chegarmos até aqui, embora muito difícil.  Dançando com toda energia que existe, sem olhar e nem fadiga. Se despindo da dor e resistindo a melodia. Renegando e resfriando as dores do hoje e as requentando pro outro dia, virou costume nato, rito, lobotomia. O ontem da noite de hoje, se transformando nas incertezas do novo dia.

A nossa vida é, como um dilema drummondiano:  "um início-, um sono; menos que terra, sem calor; sem ciência nem ironia; o que se possa desejar de menos cruel: vida em que o ar que mesmo não respirado, nos  envolve; nenhum gasto de tecido; mas se aquecendo da ausência deles;  "a confusão entre manhã e tarde," já sem dor, porque o tempo não mais se divide em secções; o tempo agora se elide."

Ele (o tempo), não é o morto, nem é eterno, tampouco divino, apenas o vivo. Que mesmo pequenino, calado, indiferente, solitário, está vivo. E se existe vida, é passivo de celebração, força e resiliência.  Seria isso que o tempo todo procuramos?
Não sei, não se sabe.... Posto que uma vida apenas por extenso se faz uma vida mal vivida, uma vida vaga que concentra sua cabeça sob o corpo da brevidade dos dias e ao que é efêmero; maravilhosa, maldita construção do que sonhamos em sermos o que somos hoje ainda sem sucesso para o amanhã. Esta é ilusão que o tempo nos provoca.

Não obstante da ideia de transgressão, o tempo ilude sua cadeia de referenciados a partir da fração de angústias dessa não-ruptura do ontem, dotada de intenções do hoje, mas com vestes , trajantes do amanhã. Pobre tempo, ele agora se perde em sua própria imagem de grandeza e se afoga no rio, tal qual Narciso, quando se apaixonou por sua dúbia vaidade.

Será quando iremos descobrir o que nessa vida nos faz passivos de felicidade? Para além das fomes banais, o que nos causa instabilidade humana? O poder de troca das fichas simbólicas? A ruptura de im status para outro em nosso convívio? Um relacionamento amoroso instável? Uma vida financeira que nos garanta segurança e conforto? Qual a resposta para essa pergunta? O que esse emaranhado de palavras até aqui ditos nos pressupõe? 

Seria essa felicidade, encontrada até mesmo nas horas mais sombrias, se alguém se lembrar de acender a luz? Ou ela se arrasta na força dos velhos tempos das noites mais tempestivas que vigiam o sono da humanidade? Esse mundo é realmente paradoxal, insano e incompreensível. Essa felicidade, também se encontra nas dores do hoje, ou só fizeram parte da decoração do ontem? 

A humanidade caminha sempre nessa busca incessante, dessa 'felicidade líquida', espairante que delira seus murmúrios no ar, carregando a quilo o preço que se paga, pesando toneladas a humanidade, na balança da vida....

Não seria ridícula a ideia de estarmos felizes sob o pretérito do curto prazo? Não seria mais viável e menos constrangedora a ideia de que a 'felicidade' respira por aparelhos do sufocante padrão da 'vida moderna'?  Tendo em vista que respiramos ainda das toxinas do nosso passado, por onde perpassa todo esse 'oxigênio".

A triste, obsoleta ideia de que vivemos momentos de felicidade não nos pressupõe uma dependência destes períodos? Não nos cairia melhor a aceitabilidade de que ao invés de vivências 'felizes', tudo o que temos são períodos instáveis? A distinção entre uma ideia e outra (felicidade x período de instabilidade) é muito tentadora, porém perigosa. De modo que a humanidade percorreu fio a fio, cruzando a linha fronteira de combate a essa ideia inimiga-amiga de 'instabilidade' humana.

Embora seja esta uma ideia perigosa, é de práxis que a felicidade pode ser encontrada no feixo mais exaustivo e desiluminador da vida de fins do mundo contemporâneo. Podendo ela ser encontrada no mais duro processo de luto, na mais constante saudade, na morte mais viva das lembranças, no copo de uísque deixado pro outro dia, no frio quente do café gelado do ontem, nas correspondências não abertas e não retornadas, nas cartas escritas pela metade, e naquelas escritas sem remetentes na caixa-correio-da-vida, no sufoco dos amores não declarados engolidos e rechaçados pelo tempo..... 

A felicidade consiste em momentos de instabillidade no tempo-espaço, ou um truque, um léque da vida humana, que foi criada pra atender a demanda do não-sofrer enquanto se sobrevive? A instabilide do hoje opera o ontem sob máquinas remanescentes do amanhã. Ela está no tudo e no nada, no avesso do mundo, na quebra de ritos, nas oferendas aos mares, na esperança persistente, como um grão de areia entranhado na cavilha precisa da vida, fazendo doer sem trazer incômodo, transgredindo o mundo sútil em expressivo, sem ruído, sem timidez, fluindo no mais aboluto siêncio dos homens imorais de validez.....

*Thalia Torres (Lia), graduanda em Ciências Sociais (licenciatura) pela Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA.

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